quinta-feira, 30 de agosto de 2012
Lições
Não aprendi a colher a flor
sem esfacelar as pétalas.
Falta-me o dedo menino
de quem costura desfiladeiros.
Criança, eu sabia
suspender o tempo,
soterrar abismos
e nomear as estrelas.
Cresci,
perdi pontes,
esqueci sortilégios.
Careço da habilidade da onda,
hei-de aprender a carícia da brisa.
Trêmula, a haste
me pede
o adiar da noite.
Em véspera da dádiva,
a faca me recorda, no gume do beijo,
a aresta do adeus.
Não, não aprenderei
nunca a decepar flores.
Quem sabe, um dia,
eu, em mim, colha um jardim?
Mia Couto
(Maputo, 2006)
segunda-feira, 27 de agosto de 2012
Solilóquio
Tudo o que importa é ser maravilhoso.
A maravilha: o gesto da inocência.
E do aceno o milagre a renascença
de deslumbrados olhos infantil espaço
e primavera - o homem volta ao homem;
o inefável gera enfim o mal sublime
no coração deserto; e da terna doença
a rosa azul desponta e levanto-me rei.
- Eu mesmo sou o encantador do mundo!
Seres e estrelas brotam de meus lábios…
e morro deste belo sofrimento
de ser maravilhoso!
- Ah, quem pudesse
gritar à noite e ao tempo essas palavras
e partir pelo vento semeando versos
e terminando a criação da terra…
Mário Faustino (1949)
Do livro O homem e sua hora. E outros poemas.
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