segunda-feira, 25 de março de 2013

Noções



















Entre mim e mim, há vastidões bastantes
para a navegação dos meus desejos afligidos.

Descem pela água minhas naves revestidas de espelhos.
Cada lâmina arrisca um olhar, e investiga o elemento que a atinge.

Mas, nesta aventura do sonho exposto à correnteza,
só recolho o gosto infinito das respostas que não se encontram.

Virei-me sobre a minha própria experiência, e contemplei-a.
Minha virtude era esta errância por mares contraditórios,
e este abandono para além da felicidade e da beleza.

Ó meu Deus, isto é minha alma:
qualquer coisa que flutua sobre este corpo efêmero e precário,
como o vento largo do oceano sobre a areia passiva e inúmera…


Cecília Meireles




sábado, 23 de março de 2013

Branco



















Para um afogado:
esta folha, como se
feita ao mar
em garrafa.

Para que
ainda enquanto o céu embarca
no ver-a-terra, um eco
da terra
possa singrar para ele,
cheio de lembrança da chuva,
e o som da chuva
caindo na água.

Para que
possa aprender,
malgrado a vaga
que ora naufraga do cimo
dos montes, que quarenta dias
e quarenta noites
não nos trouxeram a pomba
de volta.



White

For one who drowned:
this page, as if
thrown out to sea
in a bottle.

So that
even as the sky embarks
into the seeing of earth, an echo
of the earth
might sail toward him,
filled with a memory of rain,
and the sound of the rain
falling on the water.

So that
he will have learned,
in spite of the wave
now sinking from the crest
of mountains, that forty days
and forty nights
have brought no dove
back to us.



Paul Auster, do livro Wall Writing (1971-75), na coletânea Todos os poemas (2013).

Tradução de Caetano W. Galindo.