terça-feira, 11 de maio de 2010

Italo Calvino, em "O cavaleiro inexistente"



















Um tanto galopo pelos campos de guerra entre duelos e amores, outro tanto me encerro nos conventos, meditando e escrevendo as histórias que me ocorrem, para tentar entendê-las. Quando vim me trancar aqui estava desesperada de amor por Agilulfo, agora queimo pelo jovem e apaixonado Rambaldo.

Por isso, a certa altura, minha pena se pôs a correr. Corria ao encontro dele; sabia que não tardaria a chegar. A página tem o seu bem só quando é virada e há a vida por trás que impulsiona e desordena todas as folhas do livro. A pena corre empurrada pelo mesmo prazer que nos faz correr pelas estradas. O capítulo que começamos e ainda não sabemos que história vamos contar é como a encruzilhada que superamos ao sair do convento e não sabemos se nos vai colocar diante de um dragão, um exército bárbaro, uma ilha encantada, um novo amor.

Corro, Rambaldo. Não me despeço nem da abadessa. Já me conhecem e sabem que depois das batalhas, abraços e enganos retorno sempre a este claustro. Mas desta vez será diferente… Será…

De narradora no passado, e do presente que me tomava a mão nos trechos conturbados, aqui está, ó futuro, saltei na sela de seu cavalo. Quais estandartes novos você me traz dos mastros das torres de cidades ainda não fundadas? Quais fumaças de devastações dos castelos e dos jardins que amava? Quais imprevistas idades de ouro prepara, você, malgovernado, você, precursor de tesouros que custam muito caro, você, meu reino a ser conquistado, futuro…


Italo Calvino, em O cavaleiro inexistente.

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