sábado, 24 de outubro de 2009

Esperança


"Custei um pouco a compreender o que estava vendo, de tão inesperado e sutil que era; estava vendo um inseto pousado, verde claro, de pernas altas. Era uma esperança e que sempre me disseram que é de bom augúrio. Depois a esperança começou a andar bem de leve sobre o colchão. Era verde transparente, com pernas que mantinham seu corpo em plano alto e por assim dizer, solto, um plano tão frágil quanto as próprias pernas que eram feitas apenas da cor da casca. Dentro do fiapo das pernas não havia nada dentro: o lado de dentro de uma superfície tão rasa já é a outra própria superfície. Parecia com um raso desenho que tivesse saído do papel e, verde andasse. Mas, andava sonâmbula, determinada. Sonâmbula: uma folha mínima de árvore que tivesse ganho a independência solitária dos que seguem o apagado traço do destino. E andava com uma determinação de quem copiasse um traço que era invisível para mim. Sem tremor ela andava. Seu mecanismo interior não era trêmulo, mas tinha o entremecimento regular do mais frágil relógio. Como seria o amor entre duas esperanças? verde e verde, e depois o mesmo verde, que de repente, por vibração de verde, se torna verde. Amor predestinado pelo seu próprio mecanismo semi-aéreo. Mas onde estariam nela as glândulas de seu destino, e as adrenalinas de seu sêco e verde interior? Pois era um ser oco, um enxerto de gravetos, simples atração eletiva de linhas verdes. Como eu? Eu. Nós? Nós. Nessa magra esperança de pernas altas, que caminharia sobre um seio sem nem sequer acordar o resto do corpo, nessa esperança que não pode ser ôca, nessa esperança a energia atômica sem tragédia se encaminha em silêncio. Nós? Nós."
Clarice Lispector

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