quinta-feira, 29 de outubro de 2009

História da moça cega convertida à Igreja de Nova Vida



Eu a vi no trem do metrô, indo pra Pavuna. Fazia frio, fazia calor. Tudo depende de quem vê. A moça cega inspira pena, dó, compaixão. Mas a roupa que combina ensina que talvez ali não haja completa solidão. Seios fartos, cabelos negros e compridos. Não fosse cega, seria bonita. A cegueira, no entanto, é desproteção. E ela cresceu curvada, cresceu quase bicho. Num mundo de sons, cheiros e tatos. Mas sem olhares ou espelhos. A moça cega no trem do metrô. Nada vê? Tudo sabe? A moça cega é tão jovem que deve sonhar. Mas traz sombrancelhas que franzem até encontrarem-se na mais profunda circunspecção. A moça cega ouve uma voz Te quiero, como o som da novela no canto da sala, como o rádio cantando na cozinha. Te quiero, repete.

Na vida há mais do que dizemos a nós mesmos?

Te quiero, repete.



(com Moça diante do espelho, de Pablo Picasso)

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