terça-feira, 1 de dezembro de 2009



Com efeito por momentos o silêncio é tal que a terra parece não ter quem a habite. Aqui está até onde leva o amor pelas generalizações. Basta não ouvirmos, no nosso buraco, durante alguns dias, outro ruído diferente do das coisas, para começarmos a julgar-nos o último exemplar do gênero humano. E se me pusesse a gritar? Não é que queira chamar as atenções sobre mim, mas só para tentar descobrir se há alguém. Mas não gosto de gritar. Falei baixinho, movi-me devagar, sempre, como convém a quem nada tem a dizer nem sabe para onde ir. Sem contar que pode muito bem não haver ninguém num raio de cem passos, e a seguir uma população tão densa que as pessoas andem umas por cima das outras. Ninguém se atreve a aproximar-se. Nesse caso esfalfar-me-ia em pura perda. Apesar de tudo vou tentar. Tentei. Nada ouvi de insólito. Sim, uma espécie de rangido escaldante ao fundo da traquéia como quando se tem azia. Com o treino talvez ainda acabe por fazer um gemido. O melhor seria dormir. Infelizmente já não tenho sono. De resto não devo dormir mais. Que maçada. Perdi o comboio.

Samuel Beckett, em Malone morre

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