terça-feira, 8 de dezembro de 2009


– E, como sou filósofa – continuou Emília –, quero que minhas Memórias comecem com a minha filosofia de vida.

– Cuidado, marquesa! Mil sábios já tentaram explicar a vida e se estreparam.

– Pois eu não me estreparei. A vida, Senhor Visconde, é um pisca-pisca. A gente nasce, isto é, começa a piscar. Quem pára de piscar, chegou ao fim, morreu. Piscar é abrir e fechar os olhos – viver é isso. É um dorme-e-acorda, dorme-e-acorda até que dorme e não acorda mais. É portanto um pisca-pisca.

O Visconde ficou novamente pensativo, de olhos no teto.

Emília riu-se.

– Está vendo como é filosófica a minha ideia? O Senhor Visconde já está de olhos parados, erguidos para o forro. Quer dizer que pensa que entendeu… A vida das gentes neste mundo, senhor sabugo, é isso. Um rosário de piscadas. Cada pisco é um dia. Pisca e mama; pisca e anda; pisca e brinca; pisca e estuda; pisca e ama; pisca e cria filhos; pisca e geme os reumatismos; por fim pisca pela última vez e morre.

– E depois que morre? – perguntou o Visconde.

– Depois que morre vira hipótese. É ou não é?

 
Monteiro Lobato, em Memórias da Emília
 
Agradeço ao pessoal do (o grifo é meu) por me lembrar de tão maravilhosa passagem.

E viva Monteiro Lobato!


4 comentários:

  1. A gente também adora esse grifo, Carla.

    um beijo.

    ResponderExcluir
  2. Sofia, vcs estão de parabéns pelo blog! Demais! Bjs

    ResponderExcluir
  3. Minha criação é filha do Lobato.
    Lindo grifo, Carla. Vou...filar. (rss)
    =)

    ResponderExcluir
  4. O imaginário de várias gerações brasileiras deve tanto a Lobato, né?

    ResponderExcluir